A esperteza é uma característica cada vez mais apreciada na sociedade portuguesa. Como se desse uma certa cor ao ambiente de depressão. Nos dias de hoje, ser esperto em Portugal não anda muito longe de ser herói: alguém que, num clima desfavorável, atinge os seus objectivos sem olhar a métodos nem problemas de consciência. Estes novos heróis, que o povo começou por encarar com reprovação mas já se resignou a olhar num misto de complacência, admiração e inveja, nada têm de altruísta. Ao contrário do Super-Homem ou do bombeiro que resgata a criança do fogo, não querem salvar ninguém. São apenas espertos. Mais do que sobreviver, fazem pela vida. Alguns têm até mais do que uma vida, o que dá imenso jeito. Falhada a primeira encarnação, podem sempre partir para mais tarde regressar do além-túmulo, um local naturalmente mortiço onde é fácil recarregar baterias (…).
Os portugueses veneram a esperteza. Todos os dias a perseguem e tentam incorporar na escala do seu pequeno poder individual, seja como condutores no trânsito ou como vulgares mamíferos na fila do supermercado. Em Portugal, os bons exemplos são menosprezados. Não basta ser competente, honesto, colocar brio no que se faz e, se não for pedir muito, fazer uso frequente dessa coisa chamada inteligência emocional - um conceito que nada tem de transcendente e que, depois de bem espremido, resume-se a respeitar e saber viver com os outros.