31/07/09

MESCLA CULTURAL NUM PAÍS HOSPITALEIRO

A diversidade cultural portuguesa pode tornar-se desconcertante: recebemos folhetos de um restau­rante indiano na Praça dos Restau­radores, da mão de um goês que fala um inglês perfeito, e encontramos brasileiros a servir em pequenos cafés portugueses. Também há João, «barman» africano de uma casa de fado de Alfama, e o timorense sorridente que espreme sumo de laranja natural para turis­tas. Ainda assim, talvez a experiência mais singular seja ouvir português com sotaque chinês numa pequena mercearia, numa viela calcetada da bela cidade nortenha do Porto.
A demografia da nova Europa multicultu­ral foi redefinida por gente vinda dos países outrora ocupados pelas potências coloniais. No século XXI, em Portugal - país de extra­ordinários navegadores -, o resultado é uma mescla muito interessante, que enriquece um país já de si cheio de interesse.
STAN DENHAM, Sunday Telegraph (Sydney), 28.09.08

30/07/09

O PAPA E O PRESERVATIVO

Cada vez que o Papa se pronuncia sobre a contracepção, e nomeadamente contra o uso do preservativo, o mundo, em especial o Ocidente, entra em convulsões. Desta vez, foi numa viagem a África e desde a França à última ONG ou à última consciência humanitária ninguém se esqueceu de protestar. O Papa é um irresponsável e um criminoso. O Papa é uma espécie de encarnação do Mal. Há aqui com certeza um equívoco. Suponho que ninguém estava à espera que em África, sobretudo em África, Ratzinger não dissesse uma palavra sobre o assunto e, dizendo, dissesse qualquer coisa diferente da doutrina ortodoxa da Igreja. Muito pelo contrário, do ponto de vista dele, era ali, numa situação extrema e manifestamente ambígua, que devia reafirmar o que julga ser a verdade. Para quem combate (ou simplesmente conhece) a epidemia de sida em África, a posição do Papa não tem desculpa. Recomendar a abstinência e a fidelidade (e ainda por cima, a título profiláctico) nunca serviu de nada em parte alguma. E em África muitas populações resistem ao preservativo não apenas por ignorância mas porque ele nega ou ameaça a sua cultura e a própria organização da sociedade. A palavra do Papa vem dar força a essa resistência (que, de resto, não beneficia o catolicismo) e provoca directamente milhares, se não milhões, de mortes. A fúria universal contra Bento XVI não custa a compreender. Só que o Papa não se guia nem age por uma lógica "prática" e científica. Aceita, presumo, as vantagens do preservativo. Só que não o pode aprovar sem trair a Igreja.Os valores de Bento XVI não são os valores de um governo, de uma ONG ou de um indivíduo que tenta limitar o imenso desastre da sida em África. São valores de outra ordem. São valores de uma ordem religiosa, que cada vez menos se percebem ou respeitam no Ocidente. Não vale por isso a pena discutir a moral sexual da Igreja (e do Papa). Vale a pena garantir que ela não invade a esfera da liberdade civil. Ora Ratzinger não andou por África a pedir que se proibisse o preservativo. Pediu aos católicos que prescindissem dele, em nome de uma perfeição que os católicos escolheram procurar. A influência dele é, neste capítulo, deletéria? Inegavelmente. Convém que ela não alastre em África (e na Europa)? Sem a menor dúvida. Mas sem esquecer que o Papa está no seu direito e no seu papel.

20/07/09

HÁ 40 ANOS: PRIMEIRO HOMEM NA LUA




AINDA HÁ QUEM JULGUE QUE TUDO FOI MENTIRA
Quatro décadas depois do primeiro contacto do Homem com a poeira inerte da Lua, sondagens referem que 6 % dos ame-ricanos pensam que as alunagens não poderiam ter acontecido. A chegada à Lua, um dos maiores feitos da raça humana, foi um embuste elaborado e desenvolvi¬do para fomentar o orgulho patriótico dos EUA, insistem muitos.
Examinam as fotografias das missões, procurando sinais de falsificação e afirmam que conseguem ver a bandeira dos EUA a flutuar naquilo que era supostamente o vazio do espaço. Exageram os riscos para a saúde das viagens através das ondas de radiação que envolvem o nosso planeta; subestimam a proeza tecnológica do programa espacial americano; e denunciam como crimes todas as mortes ocorridas nesse programa, relacionando-as com uma conspiração a nível mundial.
E embora não haja provas credíveis que consubstanciem estas afirmações, e a mera improbabilidade de se conseguir inventar um enredo tão gigantesco e mantê-lo secreto durante 40 anos seja um desafio à imaginação mais delirante, os negacionistas continuaram a amontoar acusações até hoje. (…)
"Há pessoas inteligentes e perfeitamente normais que acreditam nessas teorias da conspiração", diz Philip Plait, astrónomo e autor que contesta, exaustivamente, ponto por ponto, os argumentos dos teóricos da conspiração no seu site "Bad Astronomy".
Embora as pseudoprovas dos teóricos da conspiração possam ser facilmente refutadas, diz Plait, compreender os processos pode exigir conhecimentos históricos, fotográficos e científicos e respectiva metodologia. "Dá trabalho; muito trabalho", diz ele, "e a maioria das pessoas não o faz E, assim, essas coisas criam pernas para andar".

10/07/09

ERA NO CAMPO QUE SE CONSUMIA MAIS PÃO EM PORTUGAL

Quem vive na cidade come mais leite, queijo e iogurtes do que os que vivem no campo. Já nas zonas rurais, há uma maior apetência por cereais e pão que nas áreas urbanas. Assim se comia em Portugal há 20 anos. E hoje? Ninguém sabe, pois estas conclusões são do único inquérito alimentar nacional já feito. Que data de 1985.Com a disseminação de hipermercados pelo país, a maior ligação entre interior e litoral e a diversificação da oferta o mais natural é que muito tenha mudado. No entanto, o inquérito feito pelo Instituto Ricardo Jorge há duas décadas dá conta que, em média, cada português ingeria (sem contar com as bebidas) 1549 gramas de alimentos por dia e, embora as opções variassem em relação à situação geográfica, tanto urbanos como rurais equilibravam-se, com ligeira vantagem dos habitantes das cidades, que deglutiam mais uns gramas.Os alimentos mais consumidos eram, por ordem, a batata (309,3 gramas), o pão (252,1), o leite e iogurte (203,6) e as hortícolas (198,3). Consumia-se mais carne que peixe, mas a diferença não era substancial - 92 gramas de peixe para 122 de carne. Numa coisa, portugueses do campo e da cidade igualavam: o consumo de açúcar. A gulodice não dependia da geografia. Só que a quantidade consumida - 31,3 gramas era muito inferior ao consumo real do país, que se situava nas 81 gramas. Ou seja, conclui o estudo, deve ser nos cafés e restaurantes que se fazia a maior parte da ingestão de doces. Outro dado interessante: consumia-se 11 por cento de alimentos a menos do que os que se encontravam disponíveis no mercado. O Algarve era o campeão dos comedores de peixe, os habitantes no distrito de Évora não eram muito adeptos da batata e da fruta, o Alentejo adorava leite, os de Bragança abusavam das gorduras e os de Lisboa eram os maiores comilões de todos. No estudo não surgem, porém, informações sobre o consumo de sal.
ANA FERNANDES, Público, 14-03-2009

03/07/09

O FIM DO PENSAMENTO ÚNICO

No momento em que escrevo, os portugueses dispõem de duas visões muito diferentes sobre como sair da crise em que nos encontramos. De um lado, o «manifesto dos 28» e, do outro, o «manifesto dos 52». Para o primeiro, a solução é limitar o endividamento, o que implica uma drástica redução do investimento público, fonte de muitos males, sendo os maiores o TGV, o novo aeroporto e as auto-estradas. Para o segundo, a prioridade é a promoção do emprego e a capacitação económica, o que implica um forte investimento público (não necessariamente nos projectos referidos) pois só o Estado dispõe de instrumentos para desencadear medidas que minimizem os riscos sociais e políticos da crise e preparem o país para a pós-crise.
As diferenças entre os dois documentos são, antes de tudo, «genealógicas». O primeiro é subscrito por economistas, a grande maioria dos quais ocupou cargos políticos nos últimos 15 anos, e colaborou na promoção da ortodoxia neoliberal que nos conduziu à crise. O segundo é subscrito por economistas e cientistas sociais que, ao longo dos últimos 15 anos, tomam posições públicas contra a política económica dominante e advertiram contra os riscos que decorreriam dela (...).

Mas as diferenças entre os dois documentos são mais profundas que a descrição acima sugere. Separa-os concepções distintas da economia, da sociedade e da política.
Para o manifesto dos 28, a ciência económica não é uma ciência social, é um conjunto de teorias e técnicas neutras a que os cidadãos devem obediência. Pode impor-lhes sacrifícios dolorosos - perda de emprego ou da casa, queda abrupta na pobreza, trabalho sem direitos, insegurança quanto ao futuro das pensões construídas com o seu próprio dinheiro - desde que isso contribua para garantir o bom funcionamento da economia entendida como a expansão dos mercados e a lucratividade das empresas. O Estado deve limitar-se a garantir que assim aconteça, não transformando o bem-estar social em objectivo seu (excepto em situações extremas), pois mesmo que o quisesse falharia dada a sua inerente ineficiência.
Para o manifesto dos 52, a economia está ao serviço dos cidadãos e não estes ao serviço dela. Os mercados devem ser regulados para que a criação de riqueza social se não transforme em motor de injustiça social (...). Cabe ao Estado garantir a co
esão social, accionando mecanismos de regulação e de investimento para que a competitividade económica cresça com a protecção social. Para isso, o Estado tem de ser mais democrático e a justiça mais eficaz na luta contra a corrupção.