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25/01/09

INFERNO - Cristiano Ronaldo

Saio para a rua e descubro que a cara de Ronaldo está em todos os jornais: um rosto vulgar, adiposo, des­lumbrado - e o cabelo em forma de crista galinácea, uma agressão estética que faz sucesso entre os lusitanos. Pare­ce que o mundo andou a discutir seriamente se Ronaldo era o melhor jogador de futebol. E respondeu que sim. A ideia já é sufi­cientemente infantil para merecer comentário: centenas de adultos, mer­gulhados em reflexão aturada, em busca das chuteiras geniais.
Mas, com Ronaldo, Portugal relembrou também um aspecto da história pátria: a forma como nacionalizamos feitos individuais par efeitos de propaganda patriótica. Durante 48 anos, não houve atleta, cantor ou artista que a ditadura não tenha usado como símbolo colectivo.
Veio a democracia. Mas, com ela, não veio a atitude saudável de conceder aos indivíduos o que apenas lhes pertence por talento, sorte ou traba­lho. O 25 de Abril, pelos vistos, não passou por aqui.
J.P. COUTINHO, Revista Única, 24-01-09 (adaptado)

26/10/08

VÉNUS E MARTE (Sandro Botticelli)

A deusa do amor, Vénus, venceu Marte, o deus da guerra e da violência: enquanto ele está mergulhado num sono profundo, ela observa-o com atenção e segurança para o manter sob controlo.
Se procurarmos o significado profundo da imagem, parece que o seu autor, Sandro Botticelli (1445-1510), quis representar a ideia do amor que havia sido desenvolvida na corte dos Médicis pelo filósofo Marsílio Ficino e que concebia esse amor como uma dualidade composta por um desejo físico terreno e por uma aspiração espiritual que tendia para Deus. Ficino descrevia a diligência humana como o esforço constante para passar da paixão sensual ao desejo espiritualizado do conhecimento e de luz na união com Deus.
O quadro ilustra o triunfo da deusa do amor sobre o deus da guerra, que ela desviou dos seus afazeres bélicos. Mas não se trata tanto da vitória do amor sobre a violência guerreira, como a derrota do desejo sensual perante um amor de Deus guiado pelo desejo de saber. Marte simboliza aqui, enquanto deus da guerra, o desejo violento. Contrariamente a Vénus, ele surge representado quase nú. Em Vénus, pelo contrário, esta aspiração sensual foi superada. Ela está vestida com um peplo debruado e preso no peito por uma jóia composta por pérolas, onde se deve ler o símbolo da castidade.
BARBARA DEIMLING, Botticelli, Editora Taschen (adaptado)

17/10/08

NO SUBCONSCIENTE, OS AMERICANOS VÊEM OBAMA COMO ESTRANGEIRO?

O preconceito é subtil, mas estudos mostram que americanos brancos demoram a identificar americanos negros ou asiáticos com símbolos do país
Há alguns anos, os psicólogos Mahzarin Banaji e Thierry Devos mostraram os nomes de celebridades a um grupo de voluntários, pedindo-lhes que as classificassem como americanos ou não americanos. A lista incluía a jornalista televisiva Connie Chung ou a estrela do ténis Michael Chang, ambos americanos de origem asiática, bem como os actores britânicos Hugh Grant e Elizabeth Hurley. Os voluntários identificaram naturalmente os primeiros como norte-americanos e os segundos como estrangeiros.
Os psicólogos perguntaram depois ao grupo que nomes associava a ícones americanos como a bandeira, o Capitólio ou o Monte Rushmore, e quais associava a símbolos estrangeiros: o edifício da ONU em Genebra, uma nota de 100 hrivnis da Ucrânia e um mapa do Luxemburgo. E descobriram que, se tivessem de responder depressa, os voluntários associavam muito mais facilmente os símbolos americanos aos actores britânicos e os estrangeiros a Chung ou Chang.
Os resultados sugerem que, a um nível subconsciente, as pessoas equiparavam os brancos - mesmo os estrangeiros - com símbolos americanos.
Noutra experiência envolvendo atletas negros nos Jogos Olímpicos de Sydney, os psicólogos verificaram que o mesmo padrão se aplicava aos afro-americanos.
Os voluntários brancos concordavam que os saltadores Allen Johnson e Angelo Taylor, que ganharam medalhas de ouro, "contribuíram para a glória da América" e "representam tudo o que a América é". Mas foram lentos a associar as suas fotografias a símbolos americanos. Os voluntários negros foram mais rápidos a associar atletas negras ou brancos a símbolos americanos.
"Isto é poderoso porque mostra que as nossas mentes também distorcem os factos, além das preferências", diz Banaji, que trabalha em Harvard. "Os afro-americanos consideram-se americanos, mas isso não é assim nas mentes de todos os brancos."
As experiências (baseadas em testes disponíveis em implicit.harvard.edu) provocaram controvérsia. Pode ser um embaraço para as pessoas saber que subconscientemente associam ser americano com ser branco, mas isso importa? Importa e muito - por exemplo, no comportamento eleitoral, dizem os investigadores.
Numa série de novas experiências, Devos mostrou que o preconceito "branco equivale a americano" pode ter um papel fundamental nas presidenciais (Banaji é democrata registada; Devos não é americano).
Durante as primárias, Devos, na Universidade de San Diego, e Debbie Ma, da Universidade de Chicago, descobriram que, ao nível subconsciente, as pessoas associavam mais facilmente Hillary Clinton com "ser americana" do que Barack Obama.
Mais surpreendente, os psicólogos descobriram que os voluntários eram mais rápidos a associar o antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair com ser americano do que Obama.
A um nível consciente, os participantes não tiveram problemas em identificar Obama e Clinton como americanos e Blair como estrangeiro. Mas as associações subconscientes eram importantes: quem demorava mais tempo a ver Obama como americano a um nível subconsciente tinha menos probabilidades de pensar votar nele do que os que o associavam facilmente com símbolos americanos.
E num último conjunto de experiências, que acabou na semana passada, os investigadores dizem ter encontrado um padrão idêntico quando comparavam as associações subconscientes sobre Obama e o seu rival, John McCain
Conscientemente, os voluntários diziam que ambos são americanos, mas num nível subconsciente eram mais rápidos a associar McCain com ser americano do que Obama - e a força destas associações reflectia-se nas predisposições de voto. "Quando menos viam Obama como americano comparado com McCain, menos provável era que votassem nele", explica Devos. O preconceito era subtil - e apenas um entre muitos factores pesados nas escolhas de voto - mas também conta.


SHANKAR VEDANTAM , Público, 16.10.2008