No momento em que escrevo, os portugueses dispõem de duas visões muito diferentes sobre como sair da crise em que nos encontramos. De um lado, o «manifesto dos 28» e, do outro, o «manifesto dos 52». Para o primeiro, a solução é limitar o endividamento, o que implica uma drástica redução do investimento público, fonte de muitos males, sendo os maiores o TGV, o novo aeroporto e as auto-estradas. Para o segundo, a prioridade é a promoção do emprego e a capacitação económica, o que implica um forte investimento público (não necessariamente nos projectos referidos) pois só o Estado dispõe de instrumentos para desencadear medidas que minimizem os riscos sociais e políticos da crise e preparem o país para a pós-crise.
As diferenças entre os dois documentos são, antes de tudo, «genealógicas». O primeiro é subscrito por economistas, a grande maioria dos quais ocupou cargos políticos nos últimos 15 anos, e colaborou na promoção da ortodoxia neoliberal que nos conduziu à crise. O segundo é subscrito por economistas e cientistas sociais que, ao longo dos últimos 15 anos, tomam posições públicas contra a política económica dominante e advertiram contra os riscos que decorreriam dela (...).
Mas as diferenças entre os dois documentos são mais profundas que a descrição acima sugere. Separa-os concepções distintas da economia, da sociedade e da política.
Para o manifesto dos 28, a ciência económica não é uma ciência social, é um conjunto de teorias e técnicas neutras a que os cidadãos devem obediência. Pode impor-lhes sacrifícios dolorosos - perda de emprego ou da casa, queda abrupta na pobreza, trabalho sem direitos, insegurança quanto ao futuro das pensões construídas com o seu próprio dinheiro - desde que isso contribua para garantir o bom funcionamento da economia entendida como a expansão dos mercados e a lucratividade das empresas. O Estado deve limitar-se a garantir que assim aconteça, não transformando o bem-estar social em objectivo seu (excepto em situações extremas), pois mesmo que o quisesse falharia dada a sua inerente ineficiência.
Para o manifesto dos 52, a economia está ao serviço dos cidadãos e não estes ao serviço dela. Os mercados devem ser regulados para que a criação de riqueza social se não transforme em motor de injustiça social (...). Cabe ao Estado garantir a coesão social, accionando mecanismos de regulação e de investimento para que a competitividade económica cresça com a protecção social. Para isso, o Estado tem de ser mais democrático e a justiça mais eficaz na luta contra a corrupção.
As diferenças entre os dois documentos são, antes de tudo, «genealógicas». O primeiro é subscrito por economistas, a grande maioria dos quais ocupou cargos políticos nos últimos 15 anos, e colaborou na promoção da ortodoxia neoliberal que nos conduziu à crise. O segundo é subscrito por economistas e cientistas sociais que, ao longo dos últimos 15 anos, tomam posições públicas contra a política económica dominante e advertiram contra os riscos que decorreriam dela (...).
Mas as diferenças entre os dois documentos são mais profundas que a descrição acima sugere. Separa-os concepções distintas da economia, da sociedade e da política.
Para o manifesto dos 28, a ciência económica não é uma ciência social, é um conjunto de teorias e técnicas neutras a que os cidadãos devem obediência. Pode impor-lhes sacrifícios dolorosos - perda de emprego ou da casa, queda abrupta na pobreza, trabalho sem direitos, insegurança quanto ao futuro das pensões construídas com o seu próprio dinheiro - desde que isso contribua para garantir o bom funcionamento da economia entendida como a expansão dos mercados e a lucratividade das empresas. O Estado deve limitar-se a garantir que assim aconteça, não transformando o bem-estar social em objectivo seu (excepto em situações extremas), pois mesmo que o quisesse falharia dada a sua inerente ineficiência.
Para o manifesto dos 52, a economia está ao serviço dos cidadãos e não estes ao serviço dela. Os mercados devem ser regulados para que a criação de riqueza social se não transforme em motor de injustiça social (...). Cabe ao Estado garantir a coesão social, accionando mecanismos de regulação e de investimento para que a competitividade económica cresça com a protecção social. Para isso, o Estado tem de ser mais democrático e a justiça mais eficaz na luta contra a corrupção.
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Visão, 02-07-09