29/11/08

ENTRE MARIDO E MULHER...

Em Portugal, o número de mulheres assassinadas duplicou face a 2007. Este ano, que ainda não terminou, 44 mulheres morreram vítimas de violência doméstica. Espanha, com uma população quatro vezes superior, o país cujos habitantes são, segundo o estereótipo, mais agressivos, registou apenas cerca de mais uma dezena de casos. Por cá, todas as semanas, uma mulher é assassinada pelo marido, namorado, companheiro ou ex-qualquer coisa. A este número acrescem mais de 60 tentativas de homicídio. Geralmente perpetradas com armas de fogo, ferramentas. ou armas brancas. E envenenamento.
Porque muitas mulheres ainda não pedem socorro? Receiam as consequências. Outras nem sequer têm consciência de que são vítimas de um crime e resignam-se. E quantas vezes não lemos nos jornais, que os vizinhos «até sabiam», mas nada fizeram?
A violência contra a mulher ainda goza de cumplicidade e impunidade da sociedade porque as mulheres são vítimas de uma violência secular e a visão patriarcal de que a mulher deve ser subalterna ainda domina. É verdade que, sobretudo depois dos anos 60, estas questões deixaram a esfera privada e passaram à esfera pública, passando a ser encaradas como um problema político e de direitos humanos. No entanto, porque estes comportamentos foram, durante milénios, encarados como aceitáveis ou até desejáveis, muito há ainda por fazer.
Pois é. O dito «entre marido e mu­lher não se mete a colher» ainda vin­ga na polícia, na justiça e na polícia. Este ano, em sete distritos não se verificou uma única detenção de agressores. E, no nosso país, só um homem se encontra a cumprir pena de prisão por violência doméstica. Um apenas. Os brandos costumes existem, sim. Estão é do lado errado.

JOANA AMARAL DIAS, in Sexta 28-11-2008 (adaptado)

23/11/08

OVELHAS TOSQUIADAS


Um cientista e a mulher foram dar um passeio pelo campo.
A mulher diz:
- Oh, repara! Aquelas ovelhas foram tosquiadas.
- Sim - declara o cientista. - Deste lado.

À primeira vista, poderíamos pensar que a mulher está ape­nas a expressar uma visão de senso comum enquanto o cientista formula uma opinião mais cautelosa e científica, na medida em que se recusa a ir para além da prova dos seus sentidos. Mas esta­ríamos errados. Na verdade, foi a mulher que formulou o que a maioria dos cientistas consideraria a hipótese mais científica. Os cientistas usam as suas experiências anteriores para calcular probabilidades e para inferir afirma­ções mais genéricas. O que a mulher está, com efeito, a dizer é: "Estou a ver ovelhas tosquiadas, pelo menos deste lado. Pela experiência anterior sei que não é habitual os agricultores tosquiarem as ovelhas apenas de um lado e que, mesmo que este agricultor o tivesse feito, a probabilidade de as ovelhas se colocarem na encosta de forma a que apenas os seus lados tos­quiados ficassem voltados para a estrada é infinitesimal. Por conseguinte, sinto-me confiante ao dizer: "Aquelas ovelhas foram totalmente tosquiadas."
Presumimos que o cientista da piada é uma espécie de crâ­nio demasiado instruído. Mais tipicamente, presumimos que uma pessoa que não consegue extrapolar a partir da sua expe­riência anterior é simplesmente um imbecil.

T.Cathcart e D.Klein, Platão e um ornitorrinco entram num bar (adaptado)

15/11/08

NOJOOD, 10 ANOS, DIVORCIOU-SE E AGORA É "WOMAN OF THE YEAR 2008"


A revista Glamour descreveu-a como "a mais célebre divorciada" do mundo, mas não foi por isso que a distinguiu, esta semana, como uma das dez Women of the Year 2008. Nojood Mohammed Ali, de dez anos, viajou de Sanaa, capital do Iémen, até Nova Iorque, para partilhar o prémio com Hillary Clinton, Condoleezza Rice ou Nicole Kidman por ter aberto o caminho às meninas que querem libertar-se de casamentos forçados. (…)O drama de Nojood começou quando o pai, um desempregado que antes recolhia lixo nas ruas, quebrou a promessa de não a retirar da escola para lhe arranjar um marido, como fez a outras irmãs.

Ela frequentava a segunda classe e adorava estudar Matemática e o Corão. Ele foi buscá-la para a entregar a um homem de 30 anos, o carteiro Faiz Ali Thamer. No dia do casamento, confiante num alegado compromisso de que a união não seria consumada antes de ela "ser adulta", a menina ficou fascinada com o dote: três vestidos, um perfume, duas escovas do cabelo, dois hijab (véu islâmico) e um anel cujo preço equivalia a 20 dólares. Este foi logo vendido por Thamer, que comprou roupas para si. A partir dali, a vida da recém-casada só piorou. "Eu corria de sala em sala para tentar fugir, mas ele acabava sempre por me apanhar", revelou Nojood ao jornal Yemen Times. "Chorei tanto, mas ninguém me ouvia. Sempre que eu queria brincar no pátio, ele vinha, batia-me e obrigava-me a ir para o quarto com ele. E se seu pedia misericórdia ainda batia e abusava mais de mim. Eu só queria ter uma vida respeitável. Um dia fugi."Nojood apanhou primeiro um autocarro e depois um táxi e foi até a um tribunal de Sanaa. Ela era tão pequenina, que quase passou despercebida aos magistrados, aos advogados e a outros funcionários. À hora de almoço, quando a multidão se dispersava, relatou o diário Los Angeles. Times, "um juiz curioso aproximou-se dela e perguntou-lhe o que fazia sentada num dos bancos". A resposta foi: "Eu vim pedir o divórcio." Mohammed al-Qadhi, o juiz, ficou comovido.
No Iémen, segundo um estudo da Universidade de Sanaa, cerca de 52 por cento das raparigas são forçadas a casar-se antes dos 18 anos. "O exemplo de Nojood vai aumentar a pressão para que se defina uma idade mínima para casar", diz ao PÚBLICO, por telefone, Mohammed al-Kibsi, do jornal Yemen Observer. "Os islamistas do Comité da Sharia [lei corânica] recusam impor limites, mas há um grande movimento da sociedade civil para que o Parlamento aprove este mês uma lei que imponha os 18 anos como idade mínima. Vai haver compromisso, para os 16 anos."
MARGARIDA SANTOS LOPES, Público, 14.11.2008 (adaptado)

09/11/08

OS PERIGOS DA TV NO BERÇO

Cresce a controvérsia em redor dos novos canais televisivos destinados a crianças dos 6 meses aos 3 anos. Especialistas fazem o ponto da situação e aconselham prudência em relação aos programas que supostamente desenvolvem a atenção dos mais pequenos.
É difícil, para um adulto, apreciar este universo doce, cheio de bichos garridos, onde soam guizos e realejos. Espanta-nos o grande número de emissões sem palavras nem frases, apenas pontuadas por «buuuu» e «iupiii». É mesmo necessário falar sem nexo com os bebés?
Outros programas propõem-se ensinar palavras, reconhecer animais, contar, brincar. Mas brincar, como aprender, implica trocas, contacto. A maioria destas séries educativas pressupõe pais presentes que estimulam os bebés e os ajudam a entender. O que acontece quando nenhum adulto está com eles? Pois, as crianças ficam empantur­radas em imagens.
A formação da inteligência, nesta idade em que o cérebro se organiza, estrutura e forma categorias, exige actividade física. Dos 6 meses aos 3 anos, é a idade da atenção ao real próximo, da exploração do mundo, da aquisição da linguagem e dos primeiros gestos operacionais. Não iremos fabricar «bebés-zombies»?
Outro argumento resulta de estudos que demonstram que os mais pe­quenos só desenvolvem a capacidade de dis­cernimento e a compreensão quando têm oportunidade de «agir sobre a realidade», manipular, tocar, provar, experimentar. Faz-lhes falta encontrar resistência, sentir prazer, dor, malogros, êxitos. Instalá-los muito tempo diante de um ecrã reduz «o sentimento de poder agir», correndo-se o risco «de os enquistar num estatuto de espectador do mundo» antes mesmo de se tornar seu actor - e sem estar a ser intelectualmente preparado para o confronto com a realidade.
Poderão existir seis perigos essenciais as­sociados aos canais para bebés: criação de dependência, travão ao desenvolvimento intelectual e emocional, isolamento afectivo, disfunções da linguagem, perturbações da concentração. O psiquiatra Serge Tisseron leva mais longe esta crítica, e a sua inquietação podia resumir-se assim: nada temos contra o vinho; mas dávamos um copo de tinto a um bebé? Expô-lo, tão jovem, ao fluxo constante de um televisor, sem que possa escapar-lhe, é correr o risco de lhe alterar o cérebro. «É preciso ver as crianças pequenas diante da TV. São atraídas pelas imagens, as músicas, os gritos. Esticam os braços, tentam tocar no ecrã, seguram-se com força, para tentarem apanhar qualquer coisa. Procuram o contacto, a realidade... Os ecrãs frustram-nas. As fieiras de bolas ou um jogo de construção dão-lhes mais prazer. Podem agarrar, apalpar. É mais lúdico, mais estruturante para o espírito.»
F.Joignot, L Monde (Paris), 12-07-08 (adaptado)