25/01/09

INFERNO - Cristiano Ronaldo

Saio para a rua e descubro que a cara de Ronaldo está em todos os jornais: um rosto vulgar, adiposo, des­lumbrado - e o cabelo em forma de crista galinácea, uma agressão estética que faz sucesso entre os lusitanos. Pare­ce que o mundo andou a discutir seriamente se Ronaldo era o melhor jogador de futebol. E respondeu que sim. A ideia já é sufi­cientemente infantil para merecer comentário: centenas de adultos, mer­gulhados em reflexão aturada, em busca das chuteiras geniais.
Mas, com Ronaldo, Portugal relembrou também um aspecto da história pátria: a forma como nacionalizamos feitos individuais par efeitos de propaganda patriótica. Durante 48 anos, não houve atleta, cantor ou artista que a ditadura não tenha usado como símbolo colectivo.
Veio a democracia. Mas, com ela, não veio a atitude saudável de conceder aos indivíduos o que apenas lhes pertence por talento, sorte ou traba­lho. O 25 de Abril, pelos vistos, não passou por aqui.
J.P. COUTINHO, Revista Única, 24-01-09 (adaptado)

17/01/09

ENAMORAMENTO

O que é o enamoramento? É o estado nascente de um movimento colectivo a dois. Esta definição coloca o problema do enamoramento de um modo novo, segundo uma óptica diferente daquela que nos foi transmitida pela psicologia, pela sociologia e pela própria arte. O enamoramento não é um fenómeno quotidiano, uma sublimação da sexualidade ou um capricho da imaginação, nem tão-pouco um sentimento sui generis inefável, divino ou diabólico, antes pode ser inserido numa classe de fenómenos já conhecidos, os movimentos colectivos. Entre estes tem certamente a sua individualidade muito própria, isto é, não pode ser confundido com outros tipos de movimentos colectivos, como a reforma protestante, o movimento estudantil, ou o feminista. Contudo, entre estes e o enamoramento há um parentesco muito próximo, as forças que se libertam e que actuam são do mesmo tipo, muitas das experiências de solidariedade, alegria de viver, renovação, são análogas. A diferença fundamental está no facto de os grandes movimentos colectivos serem constituí­dos por muitíssimas pessoas e estarem abertos ao ingresso de outras mais. Contrariamente, o enamoramento, sendo em­bora um movimento colectivo, nasce apenas entre duas pessoas, e o seu horizonte de dependência, qualquer que seja o valor universal que possa desencadear, está vinculado ao facto de ser completo com duas únicas pessoas.
Durkheim, falando dos estados de efervescência colectiva, escreve: «O homem tem a im­pressão ser 'dominado por forças que não reconhece como suas, que arrastam, que ele não domina. Sente-se trans­portado a um mundo diferente daquele em que decorre a sua existência privada. A vida aqui não é somente intensa, mas qualitativamente diferente. Ele desinteressa-se, esque­ce-se de si próprio, dá-se inteiramente aos fins comuns. Esta vida superior é vivida com tão forte intensidade e de forma de tal modo exclusiva que ocupa quase completamente as cons­ciências, das quais afasta mais ou menos completamente as preocupações egoísticas e vulgares». Durkheim, quando escreveu estas palavras, não pensava minimamente no enamoramento, tinha em mente a Revolução Francesa e outros grandes episódios revolucionários. Na realidade, a expe­riência que descreve é muito mais prolixa. Encontramo-la nos grandes processos históricos, como a Revolução Fran­cesa, o desenvolvimento do cristianismo ou do Islão, mas também em outros movimentos de pequenas dimensões. Todos os movimentos colectivos, na sua fase inicial, têm estas características. O facto curioso é que as palavras de Durkheim possam ser aplicadas também ao enamoramento.

FRANCESCO ALBERONI, Enamoramento e Amor

09/01/09

ADORAMOS PREVISÕES, QUASE NUNCA ACERTAMOS

Os seres humanos adoram fazer previsões - seja acerca dos movimentos das estrelas, das alterações da Bolsa de valores ou da cor que vai estar na moda na próxima estação -, e o começo de um novo ano evidencia esta tendência ainda mais do que é normal. Infelizmente, as previsões que a maior parte de nós faz estão erradas.
Por que razão é tão difícil fazer previsões?Bem, por muitas e variadas razões, mas fundamentalmente por duas. Em primeiro lugar, os indivíduos são muito mais difíceis de perceber do que parecem à primeira vista, não apenas por serem infinitamente complexos, mas também porque as formas que escolhemos para nos comportarmos dependem de subtis detalhes da situação. Nas décadas mais recentes, os psicólogos conduziram inúmeras experiências que mostram que pequenas mudanças na forma como a situação é definida, ou até factores à primeira vista irrelevantes, como a música ambiente ou o tipo de letra, podem todos ter impacto na tomada de decisão de uma pessoa. Em segundo lugar, os fenómenos sociais nunca são apenas o produto de pessoas individuais a tomar decisões, mas emergem de muitas pessoas a tomar decisões em conjunto e em ligação umas com as com as outras. Graças à Web, é possível assistir a este fenómeno. Os meus colaboradores Matthew Salganik e Peter Dodds e eu dirigimos uma série de experiências para tentar perceber como e por que razão algumas canções se tornam êxitos enquanto tantas outras nunca conseguem entrar para o Top 100. Recrutámos dezenas de milhares de pessoas para um site em que podiam fazer as suas escolhas em relação às músicas de que gostavam. Algumas pessoas apenas viam os nomes das canções e as bandas que as interpretavam, mas outras também reparavam em quantas vezes cada canção tinha sido descarregada anteriormente. Para além disso, dividimos este segundo grupo numa série de universos paralelos em que o historial se podia mostrar muitas vezes, revelando quanto do sucesso de uma canção depende das suas qualidades intrínsecas e quanto depende da influência dos nossos pares. Quando os participantes sabiam do que outros gostavam, as canções populares tornavam-se ainda mais populares e as canções impopulares ainda menos populares do que quando as pessoas faziam as suas escolhas de forma independente. Mas mais surpreendente ainda foi termos descoberto que se tornava também cada vez mais imprevisível perceber o que tornava determinadas canções nas mais populares - nalguns casos, a influência social levou a que a sorte e o acaso suplantassem o apelo intrínseco enquanto principais factores de criação de sucesso.
DUNCAN WATTS, in P2, 08-01-09